O futebol é um jogo que possui
muitas regras, e uma delas é a cobrança de falta, lance em que o árbitro
determina alguma irregularidade, como colisões ou jogadas perigosas, por
exemplo. Alguns jogadores utilizam esta regra do futebol como uma verdadeira arma,
tendo excelente desempenho e ganhando destaque no mundo do esporte. Todo time
precisa de um especialista em bolas paradas. O mundo do futebol atualmente está
mais preocupado com a preparação física do que com a técnica, e para muitos
especialistas esta é a razão da redução no número de grandes cobradores de falta no Brasil e no mundo.
Nas eliminatorias para a Copa
do Mundo de 1958, o lendário médio volante da Seleção Didi marcou contra o Peru
um gol de falta diferente, batendo na bola com o lado externo do pé, fazendo-a
girar sobre si mesma e modificando sua trajetória. A trajetória inesperada da
bola chutada pelo “Príncipe Etíope” fez com que a mesma fosse batizada de
“folha seca”, também conhecida como “Efeito Magnus”. A invenção deste tipo de
chute revolucionou a bola parada no futebol.
A trajetória da folha seca de Didi. |
“Originalmente eu era destro. Graças aos conselhos dele, e porque ele me forçava a treinar, me tornei ambidestro. Foi graças ao Didi que me tornei tão bom em faltas e jogadas ensaiadas”. Teófilo Cubillas, maior jogador peruano de todos os tempos, sobre o período em que Didi treinou a seleção peruana.
O
inglês Ken Bray, físico da Universidade de Bath, publicou em 2009 um livro
chamado How to Score: Science and Beautiful Game, que tenta explicar o futebol
através da ciência. O trecho do livro que fala sobre as cobranças de faltas afirma que o brasileiro Juninho “Pernambucano”, atualmente no Vasco, é o melhor
batedor de faltas da história do futebol.
“Existem três diferentes técnicas utilizadas para cobranças de falta no futebol moderno. Eu digo que Juninho é o melhor cobrador de faltas de todos os tempos porque ele pode explorar todas elas. Pode haver jogadores, como Beckham e Cristiano Ronaldo, que se tornaram especialistas em um determinado método, mas nenhum atingiu a mesma capacidade técnica de Juninho em ser capaz de aplicar todos os três”. Ken Bray.
Juninho batendo falta: melhor da história segundo físico. |
O livro de Bray afirma que existem três tipos de cobrança de falta:
A
“topspin”, usada para faltas de longa distância ou pouco ângulo, quando
o cobrador bate na bola de forma que ela faça um rápido movimento de cima para
baixo, enganando o goleiro. Este tipo de cobrança é marca registrada de
Juninho, inclusive o gol mais famoso do pernambucano foi marcado desta maneira,
contra o River Plate, na semifinal da Taça Libertadores de 1998. Este chute
atinge grande velocidade, ajudando a empurrar a bola para baixo, assim como
fazem jogadores de tênis.
Juninho executa o chute denominado "topspin". |
O
segundo tipo de cobrança estudado por Bray é denominada “sidespin”, tida como o
tipo mais fácil de giro para aplicar na bola, que roda como um pião sobre um
eixo vertical, movendo-se fortemente para um dos lados durante a trajetória,
dependendo do chute ser dado por um destro ou canhoto. É a cobrança de falta
mais comum. O sérvio Dejan Petkovic, que fez muito sucesso no futebol
brasileiro, era especialista neste tipo de cobrança. O seu gol mais famoso foi
marcado pelo flamengo na final do campeonato carioca de 2001 contra o vasco,
com um chute aos 88 minutos estilo “sidespin” perfeito, com a bola caindo no
ângulo do goleiro Helton e dando o título para sua equipe.
Dejan Petkovic treinando faltas. |
O
último tipo estudado é a “knucleball”, que tem pouco efeito e movimentação
imprevisível. A bola é chutada quase sem curva, mas atinge uma velocidade
impressionante. As forças aerodinâmicas mudam constantemente de direção e movem
a bola durante a trajetória. As bolas modernas, com poucos gomos, contribuem
para a eficácia do chute. A trajetória da bola é semelhante à da técnica
utilizada pelos arremessadores do beisebol, que lançam a bola de beisebol (que
tem apenas dois gomos) com pouquíssimo efeito e movimentação imprevisível. Este
método foi popularizado pelo craque Cristiano Ronaldo, especialista neste tipo
de cobrança. Quando começou a marcar gols em cobranças deste tipo, o português
batizou o chute de “Tomahawk”, em referência aos mísseis americanos homônimos
de longo alcance guiados por GPS.
Cristiano Ronaldo e seu "Tomahawk". |
“Cristiano bate faltas de uma maneira especial. A bola quase não pega efeito e quase não dá voltas. A bola, quando é chutada por Cristiano, parece de beisebol. Por isso que se torna tão imprevisível, completamente selvagem, se mantendo em movimento, sem qualquer lógica. Diante dos nossos olhos, alguns goleiros podem parecer estúpidos, mas eles não têm culpa. Se Ronaldo acerta o gol, é muito difícil de defender a bola”. Ken Bray.
Ainda
sobre o livro e Bray, o 2° maior batedor de faltas é o inglês David Beckham,
atualmente jogando nos Los Angeles Galaxy. Beckham tem um estilo peculiar de
bater na bola, deitando o corpo para a esquerda e esticando o braço esquerdo
para auxiliar no equilíbrio enquanto coloca força na bola com seu afiado pé
direito, que coloca muita curva na bola. O gol de falta mais famoso de Beckham
é que classificou a Inglaterra para a Copa do Mundo de 2002, contra a Grécia,
aos 48 minutos do segundo tempo. A Inglaterra perdia o jogo de 2 a 1 e
precisava do empate, o que transformou o gol de falta em um lance histórico
para o futebol Inglês.
Beckham e seu estilo inconfundível de cobrar faltas. |
Quando
a notícia sobre o lançamento do livro de Bray chegou ao Brasil, junto com a
divulgação do ranking de maiores cobradores de falta segundo o físico, gerou
grande polêmica, principalmente por Zico não estar no pódio. O craque
brasileiro marcou nada menos do que 146 gols de falta na carreira, segundo
levantamento da Revista Placar. Países como Argentina, França e Itália
contestaram também o fato de Michel Platini e Maradona não serem listados.
A
cobrança de falta também pode ser executada com uma trivela, apelidada de “três
dedos” por um de seus maiores adeptos, Roberto Rivellino. Como o apelido dado
por Riva sugere, o chute de trivela usa a parte de fora dos três dedos do pé. O
gol de trivela marcado por Roberto Carlos contra a França em 1997 é o exemplo
perfeito deste tipo de chute. Durante muito tempo este gol foi chamado de “o
gol que desafia a física”, mas em 2010 a revista científica New Journal of
Physics publicou um estudo feito por físicos franceses que continha uma equação
matemática descrevendo a trajetória da bola. Para os físicos, sem a ação da
gravidade, o chute de Roberto Carlos faria mais curvas para a esquerda até
entrar em aspiral.
"Nós percebemos que o caminho percorrido por uma esfera girando sempre é em formato de espiral, se não houver interferência da gravidade. Como Roberto Carlos estava muito longe do gol quando chutou a bola, a 35 metros, a trajetória em espiral era visível. Com um chute forte como o de Roberto Carlos, é possível anular a força da gravidade. Se a distância é pequena, você só vê a primeira parte da curva. Mas como a distância era grande no chute de Roberto Carlos, você vê a curvatura aumentando. Então você vê a trajetória completa" Christophe Clanet, físico da Escola Politécnica de Paris sobre o gol de Roberto Carlos contra a França.
O gráfico do "gol impossível" de Roberto Carlos. |
A
barreira que se forma quando as faltas são cobradas não faz parte das 17 regras
que formam o futebol. O que existe é a regra de que os jogadores adversários
devem estar a 9,15m da bola na hora da cobrança, tradicionalmente os jogadores
formam uma linha perpendicular à linha de chute, formando o que chamamos de
barreira. O goleiro pede barreira para proteger o canto mais aberto do gol e
formar uma “cortina” e dificultar a cobrança do adversário, mas muitas vezes os
especialistas em bater faltas usam a barreira como referência para uma cobrança
perfeita, geralmente mirando o quarto homem da barreira. Se a bola conseguir
passar por cima ou até mesmo atravessar a barreira, ela passa a atrapalhar a
visão do goleiro.
A barreira geralmente pula para atrapalhar ainda mais a
cobrança, mas pode ser surpreendida por uma inesperada cobrança rasteira, que
passa por baixo e deixa o goleiro completamente rendido no lance. Embora não
tenha sido o inventor deste tipo de cobrança, Ronaldinho Gaúcho popularizou o
lance, tendo feito gols nesse tipo de cobrança por Barcelona, Flamengo e
Atlético-MG. Recentemente jogadores como Pirlo, Elano e Messi também fizeram
gols assim.
A barreira pula e Ronaldinho surpreende batendo rasteiro. |
"Em 1996, comecei a treinar porque o São Paulo não tinha um bom cobrador de falta. Eu falava com o Telê [Santana, técnico da equipe do Morumbi na oportunidade], chegava meia hora antes dos treinos. Não tinha com quem bater bola. Aí eu trazia um saco com 20 bolas. Comecei a botar barreira móvel e ali eu treinava, treinava... Primeiro comecei a treinar para acertar a trave. E depois que eu descobri que acertava a trave, eu pensei: se eu acerto a trave, acerto o gol. E assim que começou...". Rogério Ceni sobre quando começou a treinar faltas...
A
maioria dos grandes cobradores de falta são meio campistas, como Zico,
Maradona, Platini, Marcelinho Carioca, Figo, Sneijder, Marcos Assunção, etc..., mas outras
posições também já possuíram ou possuem especialistas, como o zagueiro espanhol
Hierro, o Holandês Koeman, o lateral paraguaio Arce, e até mesmo no gol temos
especialistas. Segundo levantamento do repórter Bruno Thadeu, do site uolesporte, os goleiros com maior número
de gols de falta na história são o brasileiro Rogério Ceni (56 gols de
falta e continua em atividade), o folclórico mexicano Jorge Campos (31 gols) e
o polêmico paraguaio José Luis Chilavert (17 gols).
Rogério cobra falta contra o Corinthians e marca seu centésimo gol. |
"Todos os dias, desde que comecei no futebol, continuo em campo depois dos treinos para realizar séries de cobranças. Ninguém me obriga a isso, mas eu gosto. Eu gostaria que os jovens jogadores compreendessem a importância das jogadas de bola parada, que muitas vezes definem o destino de uma partida. Treinando um pouquinho todos os dias adquirimos precisão”. Andrea Pirlo em entrevista para o site da FIFA.Veja vídeos de alguns dos gols mais bonitos e importantes. Eu editei os vídeos para serem rápidos e objetivos, mostrando o efeito que a bola tomou com o chute dos melhores ângulos:
Cubillas (Peru) Vs Escócia - Copa de 1978
Juninho (Vasco) Vs River Plate - Libertadores 1998
Petkovic (Flamengo) Vs Vasco - Carioca 2001
C.Ronaldo (Manchester) Tomahawk Vs Portsmouth
Beckham (Inglaterra) Vs Grécia - Eliminatórias Copa 2002
Zico (Flamengo) Vs Santa Cruz
Roberto Carlos (Brasil) Vs França - Torneio da França 1997
Ronaldinho - Faltas por baixo da barreira (Barcelona, Flamengo e Atlético)
Rogério Ceni (São Paulo) Vs Corinthians (gol 100)
Branco (Brasil) Vs Holanda - Copa de 1994
Muito obrigado pela visita, espero que você tenha gostado!
Contato: polidorioraj@hotmail.com