11 de nov. de 2012

A Arte do Futebol - A Cobrança de Falta


O futebol é um jogo que possui muitas regras, e uma delas é a cobrança de falta, lance em que o árbitro determina alguma irregularidade, como colisões ou jogadas perigosas, por exemplo. Alguns jogadores utilizam esta regra do futebol como uma verdadeira arma, tendo excelente desempenho e ganhando destaque no mundo do esporte. Todo time precisa de um especialista em bolas paradas. O mundo do futebol atualmente está mais preocupado com a preparação física do que com a técnica, e para muitos especialistas esta é a razão da redução no número de grandes cobradores de falta no Brasil e no mundo.

Nas eliminatorias para a Copa do Mundo de 1958, o lendário médio volante da Seleção Didi marcou contra o Peru um gol de falta diferente, batendo na bola com o lado externo do pé, fazendo-a girar sobre si mesma e modificando sua trajetória. A trajetória inesperada da bola chutada pelo “Príncipe Etíope” fez com que a mesma fosse batizada de “folha seca”, também conhecida como “Efeito Magnus”. A invenção deste tipo de chute revolucionou a bola parada no futebol.

A trajetória da folha seca de Didi.
Originalmente eu era destro. Graças aos conselhos dele, e porque ele me forçava a treinar, me tornei ambidestro. Foi graças ao Didi que me tornei tão bom em faltas e jogadas ensaiadas”. Teófilo Cubillas, maior jogador peruano de todos os tempos, sobre o período em que Didi treinou a seleção peruana.

O inglês Ken Bray, físico da Universidade de Bath, publicou em 2009 um livro chamado How to Score: Science and Beautiful Game, que tenta explicar o futebol através da ciência. O trecho do livro que fala sobre as cobranças de faltas afirma que o brasileiro Juninho “Pernambucano”, atualmente no Vasco, é o melhor batedor de faltas da história do futebol.
“Existem três diferentes técnicas utilizadas para cobranças de falta no futebol moderno. Eu digo que Juninho é o melhor cobrador de faltas de todos os tempos porque ele pode explorar todas elas. Pode haver jogadores, como Beckham e Cristiano Ronaldo, que se tornaram especialistas em um determinado método, mas nenhum atingiu a mesma capacidade técnica de Juninho em ser capaz de aplicar todos os três”. Ken Bray.

Juninho batendo falta: melhor da história segundo físico.

O livro de Bray afirma que existem três tipos de cobrança de falta:

A “topspin”, usada para faltas de longa distância ou pouco ângulo, quando o cobrador bate na bola de forma que ela faça um rápido movimento de cima para baixo, enganando o goleiro. Este tipo de cobrança é marca registrada de Juninho, inclusive o gol mais famoso do pernambucano foi marcado desta maneira, contra o River Plate, na semifinal da Taça Libertadores de 1998. Este chute atinge grande velocidade, ajudando a empurrar a bola para baixo, assim como fazem jogadores de tênis.


Juninho executa o chute denominado "topspin".

O segundo tipo de cobrança estudado por Bray é denominada “sidespin”, tida como o tipo mais fácil de giro para aplicar na bola, que roda como um pião sobre um eixo vertical, movendo-se fortemente para um dos lados durante a trajetória, dependendo do chute ser dado por um destro ou canhoto. É a cobrança de falta mais comum. O sérvio Dejan Petkovic, que fez muito sucesso no futebol brasileiro, era especialista neste tipo de cobrança. O seu gol mais famoso foi marcado pelo flamengo na final do campeonato carioca de 2001 contra o vasco, com um chute aos 88 minutos estilo “sidespin” perfeito, com a bola caindo no ângulo do goleiro Helton e dando o título para sua equipe.


Dejan Petkovic treinando faltas.

O último tipo estudado é a “knucleball”, que tem pouco efeito e movimentação imprevisível. A bola é chutada quase sem curva, mas atinge uma velocidade impressionante. As forças aerodinâmicas mudam constantemente de direção e movem a bola durante a trajetória. As bolas modernas, com poucos gomos, contribuem para a eficácia do chute. A trajetória da bola é semelhante à da técnica utilizada pelos arremessadores do beisebol, que lançam a bola de beisebol (que tem apenas dois gomos) com pouquíssimo efeito e movimentação imprevisível. Este método foi popularizado pelo craque Cristiano Ronaldo, especialista neste tipo de cobrança. Quando começou a marcar gols em cobranças deste tipo, o português batizou o chute de “Tomahawk”, em referência aos mísseis americanos homônimos de longo alcance guiados por GPS.

Cristiano Ronaldo e seu "Tomahawk".

“Cristiano bate faltas de uma maneira especial. A bola quase não pega efeito e quase não dá voltas. A bola, quando é chutada por Cristiano, parece de beisebol. Por isso que se torna tão imprevisível, completamente selvagem, se mantendo em movimento, sem qualquer lógica. Diante dos nossos olhos, alguns goleiros podem parecer estúpidos, mas eles não têm culpa. Se Ronaldo acerta o gol, é muito difícil de defender a bola”. Ken Bray.
Ainda sobre o livro e Bray, o 2° maior batedor de faltas é o inglês David Beckham, atualmente jogando nos Los Angeles Galaxy. Beckham tem um estilo peculiar de bater na bola, deitando o corpo para a esquerda e esticando o braço esquerdo para auxiliar no equilíbrio enquanto coloca força na bola com seu afiado pé direito, que coloca muita curva na bola. O gol de falta mais famoso de Beckham é que classificou a Inglaterra para a Copa do Mundo de 2002, contra a Grécia, aos 48 minutos do segundo tempo. A Inglaterra perdia o jogo de 2 a 1 e precisava do empate, o que transformou o gol de falta em um lance histórico para o futebol Inglês.

Beckham e seu estilo inconfundível de cobrar faltas.

Quando a notícia sobre o lançamento do livro de Bray chegou ao Brasil, junto com a divulgação do ranking de maiores cobradores de falta segundo o físico, gerou grande polêmica, principalmente por Zico não estar no pódio. O craque brasileiro marcou nada menos do que 146 gols de falta na carreira, segundo levantamento da Revista Placar. Países como Argentina, França e Itália contestaram também o fato de Michel Platini e Maradona não serem listados.

A cobrança de falta também pode ser executada com uma trivela, apelidada de “três dedos” por um de seus maiores adeptos, Roberto Rivellino. Como o apelido dado por Riva sugere, o chute de trivela usa a parte de fora dos três dedos do pé. O gol de trivela marcado por Roberto Carlos contra a França em 1997 é o exemplo perfeito deste tipo de chute. Durante muito tempo este gol foi chamado de “o gol que desafia a física”, mas em 2010 a revista científica New Journal of Physics publicou um estudo feito por físicos franceses que continha uma equação matemática descrevendo a trajetória da bola. Para os físicos, sem a ação da gravidade, o chute de Roberto Carlos faria mais curvas para a esquerda até entrar em aspiral.
"Nós percebemos que o caminho percorrido por uma esfera girando sempre é em formato de espiral, se não houver interferência da gravidade. Como Roberto Carlos estava muito longe do gol quando chutou a bola, a 35 metros, a trajetória em espiral era visível. Com um chute forte como o de Roberto Carlos, é possível anular a força da gravidade. Se a distância é pequena, você só vê a primeira parte da curva. Mas como a distância era grande no chute de Roberto Carlos, você vê a curvatura aumentando. Então você vê a trajetória completa" Christophe Clanet, físico da Escola Politécnica de Paris sobre o gol de Roberto Carlos contra a França.

O gráfico do "gol impossível" de Roberto Carlos.

A barreira que se forma quando as faltas são cobradas não faz parte das 17 regras que formam o futebol. O que existe é a regra de que os jogadores adversários devem estar a 9,15m da bola na hora da cobrança, tradicionalmente os jogadores formam uma linha perpendicular à linha de chute, formando o que chamamos de barreira. O goleiro pede barreira para proteger o canto mais aberto do gol e formar uma “cortina” e dificultar a cobrança do adversário, mas muitas vezes os especialistas em bater faltas usam a barreira como referência para uma cobrança perfeita, geralmente mirando o quarto homem da barreira. Se a bola conseguir passar por cima ou até mesmo atravessar a barreira, ela passa a atrapalhar a visão do goleiro. 

A barreira geralmente pula para atrapalhar ainda mais a cobrança, mas pode ser surpreendida por uma inesperada cobrança rasteira, que passa por baixo e deixa o goleiro completamente rendido no lance. Embora não tenha sido o inventor deste tipo de cobrança, Ronaldinho Gaúcho popularizou o lance, tendo feito gols nesse tipo de cobrança por Barcelona, Flamengo e Atlético-MG. Recentemente jogadores como Pirlo, Elano e Messi também fizeram gols assim.


A barreira pula e Ronaldinho surpreende batendo rasteiro.

"Em 1996, comecei a treinar porque o São Paulo não tinha um bom cobrador de falta. Eu falava com o Telê [Santana, técnico da equipe do Morumbi na oportunidade], chegava meia hora antes dos treinos. Não tinha com quem bater bola. Aí eu trazia um saco com 20 bolas. Comecei a botar barreira móvel e ali eu treinava, treinava... Primeiro comecei a treinar para acertar a trave. E depois que eu descobri que acertava a trave, eu pensei: se eu acerto a trave, acerto o gol. E assim que começou...". Rogério Ceni sobre quando começou a treinar faltas...
A maioria dos grandes cobradores de falta são meio campistas, como Zico, Maradona, Platini, Marcelinho Carioca, Figo, Sneijder, Marcos Assunção, etc..., mas outras posições também já possuíram ou possuem especialistas, como o zagueiro espanhol Hierro, o Holandês Koeman, o lateral paraguaio Arce, e até mesmo no gol temos especialistas. Segundo levantamento do repórter Bruno Thadeu, do site uolesporte, os goleiros com maior número de gols de falta na história são o brasileiro Rogério Ceni (56 gols de falta e continua em atividade), o folclórico mexicano Jorge Campos (31 gols) e o polêmico paraguaio José Luis Chilavert (17 gols).


Rogério cobra falta contra o Corinthians e marca seu centésimo gol.

"Todos os dias, desde que comecei no futebol, continuo em campo depois dos treinos para realizar séries de cobranças. Ninguém me obriga a isso, mas eu gosto. Eu gostaria que os jovens jogadores compreendessem a importância das jogadas de bola parada, que muitas vezes definem o destino de uma partida. Treinando um pouquinho todos os dias adquirimos precisão”. Andrea Pirlo em entrevista para o site da FIFA.
Veja vídeos de alguns dos gols mais bonitos e importantes. Eu editei os vídeos para serem rápidos e objetivos, mostrando o efeito que a bola tomou com o chute dos melhores ângulos:

Cubillas (Peru) Vs Escócia - Copa de 1978

Juninho (Vasco) Vs River Plate - Libertadores 1998

Petkovic (Flamengo) Vs Vasco - Carioca 2001

C.Ronaldo (Manchester) Tomahawk Vs Portsmouth

Beckham (Inglaterra) Vs Grécia - Eliminatórias Copa 2002

Zico (Flamengo) Vs Santa Cruz


Roberto Carlos (Brasil) Vs França - Torneio da França 1997

Ronaldinho - Faltas por baixo da barreira (Barcelona, Flamengo e Atlético)

Rogério Ceni (São Paulo) Vs Corinthians (gol 100)

Branco (Brasil) Vs Holanda - Copa de 1994


Muito obrigado pela visita, espero que você tenha gostado!
Contato: polidorioraj@hotmail.com